quarta-feira, 13 de março de 2019

Nós escolheremos viver na "Matrix"

Atualmente nós vivemos o que se pode chamar de golden age material. Há recursos em abundância, há convicção de que isso será sempre assim e de que os dias serão cada vez melhores.

Esta convicção produz um comportamento que sustenta a máquina do consumo no limite do que se pode produzir. O resultado tem três faces principais: uma acelerada movimentação e acumulação de riqueza; uma enorme produção de bem-estar para a pessoa média e um acelerado esgotamento dos recursos físicos.

Agora, pense no que pode acontecer quando os recursos começarem a acabar. Nós teremos 15 bilhões de pessoas acostumadas a viverem uma golden age, esbanjando recursos. Aos poucos, claro, a nuvem sombria da falta e da fome começará a pairar sobre a pessoa média. É a ressaca. O mundo viverá uma forte ressaca de consumo em menos de 100 anos.

Se nada for feito, uma multidão de pessoas viciadas em direitos, garantias e recursos precisará ser controlada. Ao menos, grande parte dela saberá que não há solução. O recurso acabou e é muito caro recuperá-lo. Não dá para viver como se vivia: o mundo será uma grande Detroit.

Por outro lado, essas mesmas pessoas estarão muito familiarizadas com a informática e com os mundos virtuais. Elas não terão a resistência que se observa em muitos, hoje. O mundo virtualizado será a única saída para se sustentar o modo de vida que eles virão nos filmes, o modo de vida que vivemos hoje e que será um sonho distante, num futuro próximo. Aliás, que filmes? Eles experimentarão imersões realistas, que darão o gostinho de viver como era antes, mas com a ciência e tecnologia do futuro (o presente, para eles).

Sempre há desconfiança sobre o controle, a tirania, o código fechado. Ninguém vai aceitar viver se não em uma sociedade democrática do código aberto, em que as próprias pessoas votem pelas mudanças e fiscalizem a implementação do código. Então empresas e governos começarão a patrocinar a criação de mundos virtuais para as pessoas viverem, as que quiserem. Elas poderão voltar ocasionalmente, para o "pesadelo" da realidade, buscando alertar os realistas de que a realidade biológica é muito menos propensa à realidade.

Cada vez mais pessoas escolherão viver no mundo virtual. A partir de determinado ponto da evolução da inteligência artificial, nós passaremos até a ter filhos virtuais, que já nascerão no "Código", sem nunca terem existido biologicamente, e que ainda assim serão como nós: humanos abstratos. A migração para o virtual vai acelerar mais e mais.

Entretanto, haverá sempre a lei da natureza e ela não vai mudar. Haverá necessidade de sobrevivência, que nos impulsará há dois objetivos: 1. Achar novos mundos; 2. Conseguir produzir energia para manter nosso mundo abstrato. Por isso, nunca será possível uma virtualização total. A interação com o mundo material sempre será necessária, no mínimo para adquirir energia. O que não quer dizer que a interação precisa ser via corpos biológicos. Mesmo robôs ou exoesqueletos de quitina poderão receber nosso "espírito", já que teremos controlado a tradução entre mente e código.

Entendido esse contexto, há uma revolução tecnológica escondida nessa ladainha: como conseguir virtualizar a existência e manter a identidade? Sem manter a identidade ninguém vai aceitar ser "virtualizado", afinal, de que adianta viver com acesso ao mundo dos recursos infinitos, se eu não vou saber que sou eu, e nem conseguir voltar ao mundo físico quando eu quiser/precisar. E outra: no início, a vida virtual será dependente da vida biológica. Não há como se viver lá se morreu aqui. Só depois de um tempo a tecnologia evoluirá a ponto de tornar um ser abstrato independente do corpo biológico.

A revolução tecnológica em questão é a capacidade de virtualizar uma mente, e consequentemente uma personalidade. Plataformas como a NEO já trabalham na cópia virtual do nosso mundo atual. Eu acho um desperdício, porque penso que deveríamos planejar a próxima existência através de modelos ideais, e não de modelos atuais. Mas compreendo a dificuldade de pensar para além do que se conhece. É necessário muita inteligência, algo que ainda não temos e que provavelmente apenas as primeiras AIs conseguirão fazer por nós.

Uma vez alcançada essa revolução tecnológica a que me referi, o interesse humano pela vida abstrata surgirá automaticamente. Afinal, será uma forma de fugir de uma realidade dura e sofrida para uma "realidade" ideal: há teletransporte, há comidas gostosas que não engordam, há recursos quase infinitos e projetos de trabalho e existência desafiadores e personalizados para cada um.

A produção do humano abstrato será tantas vezes maior do que do humano físico. O tempo lá passa mais devagar, as necessidades intermediárias lá já estão resolvidas por padrão, todo o tempo e esforço pode ser dedicado a ir além, numa escala global. Uma vez que a mente é virtualizada, todos os seres humanos podem compartilhar o conhecimento máximo, apenas com um download. Ou se o conhecimento máximo for muito para a nossa mente (o que eles perceberão que é) teremos centenas de conhecimentos máximos especializados, de modo que as mentes virtuais trabalhem como verdadeiras células de um ser maior: a humanidade virtualizada. Aquela que se apresentará como muito mais capaz de fazer tudo o que hoje sonhamos e o que fomos programados por Deus para fazer: buscar a sobrevivência e o crescimento, universo afora.

Aliás, quem garante que a nossa própria existência atual não tenha sido uma saída para limitações existentes a outro tipo de vida "menos evoluída" de uma outra dimensão?

Pontos interessantes para discutir:
1. Uma vez que a nossa lógica e sistema econômicos são construídos sobre a exploração de recursos escassos, como funcionaria a economia de um mundo onde o único recurso escasso seria a energia?

2. Se num futuro distante a humanidade abstrata resolver criar robôs que nos cultuem e trabalhem a favor da criação de energia para nós, o que nós seríamos para estes robôs?

3. Por que todos os deuses nos mais variados locais e épocas do planeta pedem/exigem/precisam que nós oremos por eles?

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